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Santa Sofia é uma das igrejas cristãs mais belas do mundo. Indubitavelmente. E a recente decisão do governo turco – um Estado que embora seja oficialmente laico, possui mais de 96% da população islâmica – de transformá-la em uma mesquita está gerando enorme polêmica e discussão.

Antes de nos debruçarmos na questão específica de Santa Sofia, vale a pena relembrar que essa não é a primeira vez na história que um templo religioso é “convertido”. A mesquita de Córdoba na Espanha, a construção islâmica mais importante no mundo ocidental, foi construída durante os longos séculos de ocupação islâmica na região e depois da reconquista pelos cruzados e da expulsão dos islâmicos, ela foi convertida. Não somente convertida, como em uma conversão de verdade, ela mudou por dentro. Literalmente. Partes da mesquita foram destruídas para dar lugar a afrescos, altares e outros símbolos visuais cristãos. Ela não deixou de ser deslumbrante, mas é claro para um olho treinado que uma igreja foi construída dentro da mesquita.

E a Basílica de Santa Sofia? Bem, ela foi construída lá no século VI no período em que a atual cidade mais populosa da Turquia era a capital do Império Bizantino, Constantinopla. Esse Império Bizantino era o resquício do que havia sobrado do outrora grandioso Império Romano, logo a igreja foi construída para ser o centro religioso desta capital cristã servindo com honra seu propósito com honra até 1453, quando os turcos otomanos utilizando poderosos canhões finalmente conseguiram fazer ceder as poderosas muralhas que cercavam Constantinopla. Evento tão importante na História que marca o final da Idade Média.

Os invasores islâmicos não tardaram de transformar a enorme e belíssima em uma mesquita. Então, na verdade, ela já foi uma mesquita no passado. De 1453 até 1931, ano em que ela deixou de ser um prédio religioso e começou a fazer parte do Estado. Quatro anos depois ela reabriria como um museu. Do século VI ao XV ela foi uma igreja cristã. Do século XV até o XX uma mesquita. Um templo com quinze séculos de existência sendo cobiça de muitos homens.

O argumento que salvou durante muitas décadas a catedral de estar no palco das disputas religiosas foi colocá-la como Patrimônio da Humanidade por ser o maior exemplo da arquitetura cristã bizantina em todo o mundo. E o Estado Turco, na época, buscando legitimidade do Ocidente e se provar laico, aceitou. Mas isso está mudando, pois há quatros anos um movimento islâmico conservador bem buscando transformar as igrejas no país em mesquitas. Todas elas. Santa Sofia não poderia ficar de fora.

Recep Erdogan, presidente do país há 18 anos, tem fortes ligações com esse movimento mais extremista dentro do islamismo mais radical do país. E tem apoiado essas iniciativas que, recentemente, resultaram nessa ação de conversão da Santa Sofia. Isso tem causado perda de popularidade do presidente pelas parcelas mais moderadas da população que enxergam o monumento como algo que harmoniza e suaviza as relações com o cristianismo e com líderes políticos e religiosos do mundo todo que observam com receio e certo temor o aumento da radicalização islâmica do país. Ainda não é certo se a novamente mesquita de Santa Sofia vai deixar de ser um museu ou se ela terá as duas funções só servindo como mesquita durante festivais religiosos islâmicos importantes.

A Criação da Turquia

Os povos túrquicos são vários e sua etnia vai das Estepes no Cáucaso até às fronteiras com a China. Mongóis e Hunos, por exemplo, fazem parte deste povo. E naturalmente se vamos buscar a raiz do país que leva o nome deste ramo étnico, vamos encontrar esses povos. E os oguzes podem ser considerados os ancestrais dos turcos modernos. Ao contrário dos vários ramos que migraram mais para o leste rumo à Sibéria e às estepes mongóis, os turcos oguzes saíram do Mar Cáspio para o sul e oeste da Ásia, chegando ao que mais ou menos chamamos hoje de Oriente Médio.

Os oguzes dariam origem aos chamados seljúcidas que viveriam no século X à margem do califado Abássida que dominava a região da atual Turquia, além de muitas outras, e cuja capital era Bagdá. Nesse momento, inevitavelmente esse ramo dos oguzes acabaram se convertendo ao islamismo sunita. As incursões no mundo islâmico – pacíficas e bélicas – acabaram resultando no surgimento de um império, o Império Seljúcida que tinha forte sincretismo cultural com a região da Pérsia (ou Irã). Esse império era extenso, indo das fronteiras cazaques até a região da atual turquia e palestina, fazendo fronteira – e constantemente entrando em atrito – com o Império Bizantino. Nessa época, Istambul ainda se chamava Constantinopla e não fazia parte das regiões deste povo. Na verdade, Constantinopla era o que impedia os avanços deste povo contra a Europa e a Cristandade. 

Os seljúcidas, na verdade, trouxeram mais problemas do que apenas os constantes ataques a capital do Império Bizantino, eles proibiram a viagem dos cristãos à Terra Santa e foram mais um fator para o advento das Cruzadas a partir do século XI.

No século XIII, esse Império Turco seria vencido pelos mongóis e o poder estaria descentralizado nas mãos de vários beilhiques (espécie de principados) e assim permaneceu por umas cinco décadas quando um desses principados, os otomanos, se impuseram diante dos demais e reintegraram a unidade do Império, agora Império Turco-Otomano, durante os dois séculos seguintes. Mais do que restaurar a grandeza do passado, eles levaram a supremacia turca para outras regiões nunca imaginadas. Eles não somente derrubaram Constantinopla e destruíram um império que tinha 1000 anos, como passaram a ocupar – em guerras constantes os povos cristãos nos balcãs e leste europeu –  influenciando fortemente vários países ali que até hoje possuem populações islâmicas como a Albânia, a região do Kosovo, a Bósnia e Herzegovina e regiões ao sul da Rússia como a Chechênia ou o Daguestão.

As disputas militares com cristãos e persas por territórios e religião foram gradualmente minando o poder Otomano até que a Primeira Guerra Mundial (apesar das inúmeras vitórias que tiveram) deu um fim pesado ao império. Seus territórios foram divididos em 1917 pelos vencedores (pois eles lutaram ao lado de seus aliados alemães) França, Itália e Reino Unido em um acordo.

Com os seus territórios rasgados, inclusive por gregos que tomaram largas regiões como, por exemplo, Esmirna, surgiu o Movimento Nacional Turco apenas dois anos depois em 1919. Movimentos militares e de guerrilha contra gregos e franceses tomaram conta do território e pouco tempo depois era feito um armistício para dar fim às guerras e surgia o Tratado de Lausana que definia as fronteiras da Turquia e os entendia como sucessores dos Otomanos. Para dar fim completo aos conflitos, as populações cristãs turcas migraram de forma compulsória para Grécia que fez o mesmo com as populações islâmicas que foram para a Turquia.


 A República da Turquia já nascia abolindo os califados e assumindo um caráter ocidentalizado não somente no presidencialismo, mas com um código civil baseado no suíço e um código penal baseado no italiano. O atual presidente se alinha com movimentos políticos e religiosos mais radicais e menos ocidentalizados, causando grandes preocupações aos líderes políticos e religiosos ocidentais e mesmo entre as camadas mais moderadas do islamismo.