alertapromo.com

Quase três mil toneladas de nitrato de amônia explodiram na capital do Líbano, a maior explosão do Oriente Médio reativou antigas tensões no país que há pouco tempo tinha saído de uma guerra civil que levou dezenas de anos. A versão oficial é que houve um acidente, ou melhor, uma negligência. Essas milhares de toneladas de explosivos estavam armazenadas no porto de Beirute desde 2013. Um navio russo com bandeira da Moldávia parou no porto por problemas técnicas com esse absurdo de quantidade de nitrato de amônia e houve mau armazenamento. Sete anos depois, mais de 150 pessoas mortos e milhares de feridos. Além de uma legião de desabrigados dentro do próprio país por causa do enorme raio de destruição.

Michel Aoun, presidente do Líbano, é acusado de negligência. Áudios vazados em redes sociais provam que ele foi avisado em Julho (um mês antes da explosão que ocorreu em Agosto) sobre a situação perigosa em que a substância destrutiva. A ex-atriz porno Mia Khalifa, que hoje protagoniza uma luta contra a indústria pornográfica, é uma das maiores ativistas contra o presidente libanês pedindo explicações o acusando pela catástrofe que acometeu o país. A declaração não-oficial ocorreu depois que a Reuters afirmou que as autoridades do país sabiam da situação e não fizeram nada. Nesse contexto, Hassan Diab, primeiro-ministro sunita, pediu demissão do seu cargo.

A explosão deixou uma cratera de 43 metros de profundidade e foi registrada como um abalo sísmico de magnitude 3,3. Mas isso não é nada perto do que a explosão fez no tecido social libanês. A população indignada com todo um histórico de corrupção e fraude entendeu o grande estouro como o estopim para a revolta contra o presidente cristão, Michel Aoun. Assim como as autoridades não puderam impedir a explosão, elas não podem impedir o povo, apesar das bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, a população invadiu vários prédios governamentais e conseguiu a deposição de Hassan Diab. Além de policiais, grupos xiitas e o grupo terrorista Hezbollah ajudam na represália a população. As ligações do grupo radical com o presidente são antigas e conhecidas, e eles não deixaram Aoun na mão. Os islâmicos xiitas controlam as atividades portuárias e não querem perder esse privilégio depois do ocorrido.

As tensões entre a população e o governo está por fio há muito tempo. Além da Guerra Civil que durou décadas e acabou somente nos anos 90, há menos de um ano, em outubro de 2019, houve protestos contra a corrupção e a crise econômica no país. Com 30% de desemprego e 30% de inflação ao mês, além de uma dívida pública de 170% do PIB. Antes da explosão, os mais pobres já não conseguiam arcar com eletricidade e usavam velas para iluminação e vários funcionários públicos tinham problemas para receber seus proventos.

Guerra Civil do Líbano

Quando o Líbano deixou de ser um protetorado britânico, houve um estranho arranjo entre os vários grupos religiosos que existem no país. Estudos recentes mostram que hoje 27% da população é sunita, 27% é xiita, 21% é maronita (um cristianismo do Oriente), 8% ortodoxa grega, 5% drusa e 5% católica-grega, sendo os restantes 7%, em sua maioria, pertencentes a denominações cristãs menores. Um equilíbrio delicado entre cristãos e islâmicos. Na época da independência do país, os cristãos eram maioria com 54% da população. Os dois lados cederam em nome de uma estrutura política que ainda hoje existe no país, com algumas mudanças. Os islâmicos não buscaram se anexar a Síria e nem ter o apoio dela contra os cristãos. Os cristãos não iriam pedir o auxílio e intervenção de países do ocidente contra os islâmicos. E o poder seria dividido. O presidente seria cristão maronita e o primeiro-ministro seria sunita. Os cargos no parlamento também seriam divididos de acordo com a religião, havendo na época da emancipação uma vantagem no parlamento para os cristãos.

Com a criação do Estado de Israel e os conflitos surgidos pelo estabelecimento do país não-islâmico, ondas de refugiados principalmente palestinos migraram para vários países do Oriente Médio, inclusive para o Líbano. Essa onda de muçulmanos entrando no Líbano criaram uma nova dimensão demográfica em que os islâmicos eram maioria. Entre 1948 e 1990 houve vários massacres e conflitos entre as religiões no Líbano, com tréguas e movimentos mais críticos. Aliados internacionais auxiliaram lados nesse conflito. Israel apoiou os cristãos, a Síria e organizações palestinas apoiaram islâmicos. A década de 80 foi o ápice dos conflitos quando Beirute ficou em ruínas e cinzas depois do massacre de Karantina praticado por milícias cristãs seguido por bombardeios sírios aos bairros cristãos e, por último, uma invasão de Israel na cidade.

O contexto instável de inúmeros massacres, como o massacre de Damour, em que palestinos mataram centenas de cristãos, e o massacre de Sabra e Shantila, em que cristãos mataram 3 mil civis islâmicos em três dias, fizeram com que Israel e Síria ocupassem regiões do país até recentemente. Somente em 2000 e 2005, Israel e Síria, respectivamente, retornaram suas tropas para o país natal.

O Acordo de Taif em 1989 foi o desfecho e o fim deste conflito. Esse acordou demandou o desarmamento das inúmeras milícias que havia no país e reconfigurou a política no país: antes deste acordo, os cristãos tinham maioria no parlamento e agora os números nas cadeiras deveriam ser 50/50 entre as religiões, os xiitas deveriam ser o porta-voz do parlamento e o presidente cristão maronita teria uma redução do poder.

Libaneses no Brasil

A história do Líbano com o Brasil começa no final do século XIX em 1880 depois de uma visita do imperador Dom Pedro II. Não que não houvesse migrações antes, mas não na escala que houve nesse período. O Império Otomano dominava toda a região e vários cristãos no Líbano desejavam oportunidades longe do poderio islâmico, perseguições e dos alistamentos obrigatórios e maus tratos por parte dos oficiais muçulmanos. A imigração libanesa para o Brasil é principalmente de cristãos, embora também houvesse islâmicos.

Ao contrário dos camponeses europeus que buscavam terras agricultáveis para produzirem gêneros alimentícios, os árabes libaneses buscavam negócios: eles queriam as cidades para montar indústrias e casas de comércio, atividade que exerciam nos ambientes urbanos de Beirute e outras grandes cidades.

Com forte cultura para os negócios, os imigrantes começaram como simples mascates vendendo produtos de porta a porta e poupavam dinheiro para investir posteriormente em negócios cada vezes maiores. O sucesso dos libaneses no Brasil inclusive ajudou o país natal a partir do envio de dinheiro para a construção de hospitais, bibliotecas, universidades e outros.

Às condições de saúde e o analfabetismo dificultavam a migração para os Estados Unidos, o que não impedia Dom Pedro II de aceitar esses refugiados. A aceitação do Brasil e algumas companhias que enganavam os refugiados (dizendo que estavam indo para os Estados Unidos e indo deixá-los no Rio de Janeiro) fizeram com que ondas enormes de imigrantes libaneses viessem para cá. 

Hoje, os descendentes desses imigrantes somam mais de 7 milhões de pessoas no Brasil. E várias pessoas notórias no país, não somente no segmento de indústria e negócios. Na política, 8% dos parlamentares são libano-brasileiros. Uma participação muito maior do que a proporção na população que deve ter ligação com o sucesso econômico e a alta educação. Temer e Haddad, por exemplo, são exemplos dessa participação.